segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Eu nunca gostei...

Tinha 4 anos... não sei como ainda me consigo recordar desta manhã...
- " Vens com o pai e a mãe ali abaixo a uma lojinha" - diz-me a minha mãe.

E lá fomos nós... Chegados à loja, vi a minha mãe a apontar para um peluche que era bem maior do que eu: a pantera Cor-de-Rosa.
Reparei que a Srª da loja a embrulhava e olhava para mim ao mesmo tempo... creio que com um certo dó e eu não sabia porquê. Os olhos castanhos, olhar profundo a olhar os meus olhos... os óculos seguros na ponta do nariz...
A caminho de casa, os meus pais seguravam ambos aquele embrulho e eu recordo-me de ir atrás deles pelo caminho e de me sentir confusa... Foi quando de repente, pararam defronte a umas escadas e a minha mãe me disse: "Vês, o Pai Natal somos nós! É o pai e a mãe." - a forma como mo disse, não sei ainda porquê, feriu-me a alma... Tão segura das suas palavras, tão frontal... tão directa à menina que fui um dia.

Olhei para ambos, baixei a cabeça e abanei-a como que se dissesse que "sim, tudo bem... compreendo"...

Pantera Cor-de-Rosa...

Aos 5 anos de idade, tinha uns cabelos loiros longuíssimos... tantos e tantos caracóis, que me recordo perfeitamente de sair do banho, sentar-me defronte ao espelho para que a minha mãe me ajudasse a pentea-los, e estando molhados e por sinal, lisos, conseguia sentar-me em cima dos meus longos cabelos.
"Amanhã vais cortar o teu cabelo. Ficará como os meninos o têm" - disse-me a minha mãe.
Defronte ao espelho, chorei... chorei sem abrir a boca, sem gritar, sem negar... Baixei a cabeça e simplesmente chorei.
recordo-me da cabeleireira dizer para que não os cortasse tanto, porque eram belíssímos... mas Zasss! Caíram como neve em pleno Inverno...

Cabelos Curtos...

Aos 6 anos, enquanto aguardava a chegada da minha mãe, e a brincar com um primo, caí de um muro... bati com olho numa pedra pontiaguda e o olho literalmente ficou "pendurado"... Não senti dor, não senti nada.
Vi a minha mãe chegar, gritar, pegar numa toalha, tapar-me o olho com ela e olhar para mim com dó...
"Não chores mãe, não me dói..." - dizia-lhe.
Via o seu desespero, mas não o entendia. Senti a presença do meu tio que me agarrou ao colo, enfiou-me no carro e lembro-me de o ouvir dizer que iamos directamente para os Bombeiros.
Lembro-me do som das sirenes; lembro-me de estar deitada nos seus braços e de ele mesmo assim, agarrar na oportunidade para "engatar" as senhoras que estavam na sala de espera, dizendo que era meu pai solteiro... Recordo-me também de: "Meu deus, como a menina está... que horror!" - o espanto das senhoras...
Entrei numa sala deitada numa maca e as dores por fim chegaram... Eram insuportáveis e eu via o Bombeiro a pegar naquela agulha enorme e a querer cozer o olho... e eu somente chamava a minha mãe e ela não estava...

Não senti dor, não senti nada...

Aos 8 anos, em plena festa de aniversário senti-me mal... caí no chão sem conseguir respirar.
Foram-me diagnosticados problemas cardíacos. Por incrível que pareça, talvez tenha sido o período em que me senti mais acarinhada...

Não conseguia respirar...

Aos 10 anos, vi o meu pai partir... e doeu, doeu mas superei. Era criança, a dor era menor e talvez não fosse tão sentida...

O meu pai partiu...


Aos 14 anos, apaixonei-me pela 1ª vez. Ele tinha 20 anos, e nunca lhe esquecerei os olhos verdes... nunca O esquecerei, Nunca.

Apaixonei-me...

Aos 17 anos, vi o meu pai regressar. Foi um choque voltar a ter uma figura adulta e masculina em casa. Eu, menina mulher, habituada a gerir a casa, a cuidar da minha mãe e dos irmãos... vi regressar o "chefe de família" e não aceitei como devia. Senti o meu lugar roubado... e revoltei-me.

Foi um choque...

Aos 18 anos, já na faculdade, comecei a desligar-me de valores que tinha até então... e fui perdendo a minha fé em Deus. A minha mãe era uma mulher doente e algo maior se havia apoderado da minha alma.

Fui perdendo a minha fé...

Aos 20 anos, estava nas urgências do Hospital com uma sonda introduzida do nariz ao estomâgo... não será necessário explicar muito mais.

Urgências...

Perto dos 22 anos, acabara o curso universitário ( tendo entrado na Uni com 17) e casava-me... casei-me com o meu primeiro grande amor. Sim, o que conheci aos 14 anos. Foi um dia de plena alegria e concretização. Sentia-me a mulher mais Feliz que existia.

Sentia-me a mulher mais Feliz...

Aos 23 anos, divorciava-me e perdia a mãe, perdia o meu pedaço de Céu e perdia também o meu Mundo... aquela menina mulher, tinha perdido o sentido da vida e chorava pelos cantos. Não queria ouvir alguém, não sentia nada, não vivia e nem queria sobreviver. Ainda hoje não sei onde ganhei as forças...

Não sentia nada...

Aos 24 anos, abandonei tudo e todos. Segui com a minha vida de uma outra forma... com os olhos semi-cerrados e ao lado de alguém por quem sentirei sempre, mas sempre uma eterna gratidão. Consegui Abrir os olhos com o tempo.

Abri os olhos com o tempo...

Aos 25 anos, perdi a minha avó... e mais uma vez, perdia uma estrela na minha vida...

Mais uma estrela perdida...

Dos 25 anos e até aos 26 anos, não tive lugar certo... andei à deriva, que nem uma naufraga em busca da Ilha Perfeita... A minha fé havia desaparecido por completo e mesmo assim, eu tentava seguir rumo ao meu Sol.

Tentava seguir rumo ao meu Sol...

Aos 27 anos, encontrei um lugar no Mundo. Não era o lugar perfeito, mas era meu. Que revolução na minha vida... Novos conhecimentos, novo desejo de alcançar metas propostas, novas ambições, forças renovadas. Nunca ninguém me venha dizer que a força interior não faz Milagres, porque a minha fez!

Encontrei um lugar no Mundo...

Dos 27 anos aos 28 anos, notei diferenças em mim... a minha maneira de pensar, a minha maneira de agir. Perdi medos, aprendi a arriscar mais e mais... Ganhei forças para chegar ainda mais além, mesmo que contrariedades existissem. Aproximei-me dos meus irmãos, aproximei-me de amigos perdidos, acabei por me encontrar.

Arriscar mais e mais...

Agora com 29 anos... sorrio e penso: "Poderia ser melhor, mas o tempo tudo me trará, porque perder... já perdi tanto, e creio não ser merecedora de perder muito mais"...


E eu... nunca gostei da Pantera Cor-de-Rosa, mãe... eu nunca gostei! Eu nunca ta pedi! Eu nunca te pedi nada... eu somente queria o teu amor, o teu afecto... e nada mais. Eu Nunca gostei da Pantera Cor-de-Rosa, Mãe!...

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3 comentários:

  1. Maryy... estou muito surpreendido com o rumo da tua vida. Nunca o imaginaria. És uma mulher de coragem. enconstraste o teu lugar e isso é o verdadeiramente importante. Tem sempre força!! Cada dia e dia, mais te admiro. Impossível não admirar uma mulher com tanta força, tanto potencial de vida.
    Beijo com carinho do Ruben Fonseca, que te admira imenso.
    Bjs Bjs Bjs

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  2. Tenho que te escrever que quase todos os dias por aqui passo para ler as tuas histórias, pensamentos e lições. Gosto de ler enquanto estou no trabalho porque me trsnaportam para diversos sitios e cheiros, mas tenho que te demonstrar que estou perplexo com o que acabei de ler. Em tempo algum te imaginaria uma mulher que já foi tão sofrida com a vida. Tens tido bastante força, mais do que provavelmente eu conseguirei ter algum dia da minha vida.
    Se dantes devorava o que lias, agora certamente irei estar sempre entusiasmado por mais uma historia ou pensamento teu. ès um exemplo de mulher coragem. imagino muitas vezes como serás, o que farás e gostava imenso de um dia poder falar contigo. Se me desses tal oportunidade, eu agradeceria muito.

    Um beijo com o maior respeito por uma mulher cheia de alma,

    G.M. - caso possas, deixa-me o teu contacto de e-mail.....

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  3. Emocionada, comovida, triste e contente ao mesmo tempo. Triste por sentir a falta de afecto que sofreu e contente por realmente estar uma mulher madura e forte.
    Com o meu maior carinho lhe deixo um beijo, mary. É sem duvida uma mulher admirável.
    Julia Crespo

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